quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Anatomia do tiro preciso



Este será porventura um se não o mais longo tópico deste blog, talvez por ser para mim o mais importante, neste tópico venho partilhar aquilo que com o pouco tempo que levo de tiro mais a sério já aprendi, não só com o que tenho lido mas também com o que tenho comprovado no terreno.
O que é um bom tiro? Um bom tiro é disparar um projetil e acertar exatamente no local pretendido, embora acertar no local pretendido só por si seja um pouco vago, com a melhoria das nossas capacidades técnicas vamo-nos tornando cada vez mais exigentes e cada vez vamos querendo acertar em alvos mais pequenos e a maiores distancias.
Bons tiros já todos fizemos, embora o que para uns seja bom para outros poderá não o ser certamente, se para uns acertar numa lata de refrigerante a 50m ou num garrafão a 100m é um bom tiro, para outros bom é acertar numa moeda a 50m e numa lata de refrigerante a 100m, tudo depende muito do equipamento e da pericia de cada um, importante acima de tudo é que o atirador se divirta com o que tem e sabe e não crie expectativas demasiado altas tendo em conta a precisão da arma que possui sobe pena de abandonar um desporto que tanto prazer proporciona, um bom tiro será sempre aquele que iguale ou supér as nossas expectativas tendo em conta as nossas capacidades e as capacidades da arma. Com isto não quero a dizer que seja impossível acertar numa moeda a 100m com uma qualquer arma mas se o fizerem não se julguem bons atiradores, corram é rapidamente até à casa de sorte mais próxima e joguem no Euromilhões.
Um bom tiro isoladamente não significa também que se seja bom atirador, o bom atirador é aquele que segundo a precisão da arma, acerta o centro do alvo de forma constante, esta é a diferença entre um atirador e um bom atirador, o bom atirador faz bons tiros constantemente, um atirador só os faz de vez em quando como é o meu caso, obviamente que para fazer bons tiros constantemente teremos de reunir uma série de condições como adiante iremos ver, até um bom atirador pode fazer maus tiros se não reunir uma grande parte dos items que irei enumerar e tentar explicar.

Para fazer bons grupos (serie de tiros muito próximos do ponto em que se quer acertar) é preciso em primeiro lugar ter uma boa arma e o que é uma boa arma? Uma boa arma terá forçosamente de ter uma construção sólida e estar dimensionada para o seu utilizador, tal como o quadro de uma bicicleta tem de se ajustar ao tamanho do ciclista, uma arma deverá nas suas dimensões e peso estar ajustada a quem com ela vai atirar, para que se tenha uma ideia mais clara posso dizer que as armas dos snipers dos dias de hoje estão desenhadas para a sua morfologia para que delas se consiga tirar o máximo rendimento em função das capacidades daquele que as utiliza.
Mas não é sobre este tipo de armas que aqui venho falar, até porque nem tenho conhecimentos sobre armas de fogo, este é um blog dedicado ao tiro com ar comprimido e às experiências que dele tenho retirado. Uma boa arma de ar comprimido não se fica apenas pelo seu desenho, obviamente que para se poder dizer que estamos na presença de uma boa arma é essencial que esta tenha uma sólida construção, sem folgas e no caso das springers, (armas de ação por mola) que são as mais usuais, devem acima de tudo ser construídas a pensar na ausência de vibrações, pois são estas que se propagarem pela arma até ao cano no momento em que o pistom choca com o fundo da câmara, são elas as grandes responsáveis pelos grupos que nos dão cabo da cabeça. No entanto não se pense que as boas ou as excelentes armas de mola não têm vibrações, têm-nas de facto, são é muito menores que nas armas de qualidade inferior, aliado a este facto estão também canos construídos e projetados para resistir a este efeito vibratório, o chamado efeito armonio ou seja, o vibrar sempre com a mesma frequência. 
 
Começando pelo cano devo dizer que a qualidade deste é entre as várias qualidades das armas uma das mais importantes, o cano de uma arma não é apenas um tubo com estrias no seu interior, esta importantíssima peça deve ser fabricada com aço de elevada qualidade sendo que atualmente os melhores são os martelados a frio, o cano das armas são peças de alta engenharia onde as preocupações estão focadas em coisas como a qualidade do aço, o efeito armonio, o tipo e numero de estrias bem como o seu passo, a coroa (chanfre no final da parte interior do cano), no choque (estreitamento nos últimos centímetros percorridos pelo projetil no interior do cano por forma a padronizar o projetil) e muitas outras coisas que se calhar nem me passam pela cabeça.
Uma boa arma deve ter também bons vedantes, se os vedantes  forem de fraca qualidade e permitirem fugas vão certamente provocar tiros a velocidades inconstantes com as consequências obvias.
As miras ou mecanismos de pontaria devem também ser precisas e robustas, precisas para que se possam alinhar de forma efetiva e robustas para que não desalinhem com facilidade.
A arma não deve ser demasiado leve, ao contrario do que se possa pensar uma arma pesada é mais estável que uma leve, no caso das de ação por mola, o seu maior peso vai contribuir também para contrariar o recuo.  
O gatilho, o gatilho é outro dos componentes que mais contribuem para uma arma precisa, gatilhos pesados e sem afinação prejudicam substancialmente a precisão do tiro, quanto mais força for precisa para o acionar maior tensão irá provocar na musculatura do dedo e do braço levando a que se trema no momento do disparo ou que não se consiga disparar no momento pretendido.
 
Munições, é impossível produzir bons tiros com munições de baixa qualidade, os projeteis devem em primeiríssimo lugar ser de muito boa qualidade, sem rebarbas ou deformações para que ao abandonarem o cano sigam uma trajetória retilínea e girando sobre o seu próprio eixo, devem também ser calibrados em peso e dimensões, facilmente se percebe quando  os chumbos não são calibrados, ao introduzi-los no cano vamos notar que nuns teremos de pressionar um pouco mais que noutros para que entrem no orifício.
No mercado existem neste momento várias marcas com variadíssimos modelos de chumbos de elevada qualidade e por muito que gostemos desta ou daquela marca e modelo será sempre a arma a escolher o projetil e não o atirador, é obrigatório testar o maior numero de modelos possível para que se possa concluir com qual é que o cano da arma casa melhor, eu disse obrigatório. 
Diferentes chumbos têm diferentes coeficientes balísticos como tal sempre que se muda de chumbo em função daquilo que se pretende teremos de zerar a arma e refazer a curva balística para aquele projetil.    
 
Miras, já falei nas miras abertas, agora vou falar nas telescópicas desprezando outros sistemas de mira menos usadas como sejam o red dot ou o dioptro, até porque este tipo de miras são sistemas que não domino minimamente logo é preferível não dizer asneiras.
Tal como a arma, a mira telescópica deve ser de construção robusta e digo isto novamente a pensar nas armas de mola por serem as mais usuais e que maiores danos provocam nestes mecanismos de pontaria devido ao recuo, as armas PCP como são praticamente isentas de recuo logo menos exigentes quanto à robustez mas como disse anteriormente tal como as miras abertas também as telescópicas necessitam de mecanismos de regulação precisos e robustos, neste caso as chamadas torres, estas devem ser precisas e com clicks bem pronunciados para que se possam sentir facilmente e não desalinhem com facilidade, algumas têm mesmo mecanismos de boqueio depois de reguladas, as lentes devem ser cristalinas deixando passar a luz até ao nosso olho com a maior facilidade possível, quanto melhor for o polimento do vidro, melhor é a imagem e mais cara se torna a mira.
Existem muitos tipos de reticulo mas eu uso e aconselho aqueles que tenham mil dot ou seja, aqueles pontinhos que a maioria das pessoas pensam servir apenas para compensar a queda do projetil ou compensar o vento mas que na realidade foram criados para medir distancias.
Com regulação de paralaxe, que pode ser frontal ou lateral, AO ou SF respetivamente, para quem não sabe o que é a regulação de paralaxe aqui fica a explicação simplista para este caso concreto, é a forma de alinhar o alvo com o reticulo e com a vista do atirador no momento em este que faz pontaria, nas miras abertas entre o alvo e a vista do atirador existem dois ponto que anulam este efeito quando alinhados, a alça de mira e a massa de mira frequentemente chamada de ponto de mira, nas miras telescópicas como só existe um ponto que é o centro do reticulo  é necessário este mecanismo que serve para anular este erro, é também através da regulação de paralaxe que nas miras de melhor qualidade se medem as distancias ao alvo por forma a ter a perceção  da queda que o projetil sofre por influencia da gravidade, nas miras que não possuem este mecanismo de regulação não significa que este efeito tenha sido ignorado, o que acontece é que vem fixo a uma determinada distancia que pode ser de 100 yards ou 91m.

Não menos importante é a montagem, a peça que vai fixar a mira telescópica à arma, também esta deve ser de boa qualidade para não variar, alguns perguntarão, esta peça é uma coisa tão simples porquê de boa qualidade? Porque só as melhores se pode dizer que fixam a mira perfeitamente alinhada com o cano, caso contrario os tiros vão acabar por sofrer desvios laterais em função das distancias a que estão os alvos. As montagens estão disponíveis no mercado em uma ou duas peças, para springers de média e alta potencia as mais indicadas são as de uma única peça, para as de baixa potencia ou para as PCP podem usar as de duas peças.

No que diz respeito ao equipamento estamos conversados, agora vamos a alguns dos muitos aspetos técnicos e o primeiro é obviamente saber qual é o nosso olho diretor, a forma mais simples é esticar o braço à frente da cara com o dedo indicador ao alto e com os dois olhos abertos colocar o dedo à frente de um objeto a uma longa distancia, depois fechamos um olho seguidamente o outro e perceber qual com que olho aberto é que o objeto fica escondido pelo dedo, desta forma ficamos a saber se somos destros ou canhotos no que à visão diz respeito é que há armas com coronhas destras e ambidestras.
Seguidamente devemos encontrar uma posição estável e cómoda para efetuar o disparo que pode ser de diversas formas, de pé, sentado numa cadeira ou mesmo no chão, de joelhos e deitado, em cada uma destas formas devemos procurar a posição mais estável e confortável ou seja, aquela que melhor anule movimentos parasitas, aquilo a que frequentemente se chama tremer. Não se pense que é só a patroa lá em casa que tem manias, também estas meninas têm as suas embora infinitamente menores,  devemos procurar conhecer como ela gosta de ser agarrada, não, já não estou a falar da patroa, agora estou a falar da arma mesmo, é normal ouvir dizer que a arma é como um passarinho, se o apertamos muito ele morre, se o apertamos pouco ele foge. outra das manias destas armas é o ponto em que as apoiamos, umas gostam de ser apoiadas mais na ponta do fuste outras mais junto ao gatilho, por norma não fogem muito do ponto de equilíbrio mas nada com fazer uns grupos com diferentes pontos de apoio para lhes conhecer as manhas.
O dedo, é importantíssimo saber como se deve meter o dedo, calma, estou a falar em meter o dedo no gatilho, o ideal é a meio da primeira falange.
Há muitas outras coisas que poderia falar sobre técnicas de pontaria mas isso daria para escrever um livro e agora não temos tempo.

Agora que conhecemos o equipamento e o sabemos escolher se houver orçamento para o que se pretende, falta treinar. Treinar não é chegar à carreira de tiro e começar a gastar chumbo, treinar é pensar em todas as técnicas que referi anteriormente e em outras que não foram mencionadas e tentar agrupar, treinar é tentar perceber porque é que não estamos a conseguir agrupar, porque cargas de água saiu um flyer quando o grupo estava a correr tão bem, treinar é disparar com a respiração controlada, é saber que não devemos deslocar a arma imediatamente após o disparo, é perceber que os tiros saem melhor se os fizermos com os dois olhos abertos, é no fundo apertar o gatilho no momento em que aplicámos todas as técnicas que aprendemos, é saber que depois do gatilho apertado nada mais podemos corrigir.

Tudo isto é muito bonito mas ainda assim não basta para eu poder dizer que vou mandar uns grandas balázios.
Mesmo sabendo tudo isto dificilmente vou conseguir fazer alguma coisa ao nível do que sei se chegar ao campo de tiro para fazer uns tiros à pressa ou se lá chegar e começar na palheta com o vizinho do lado. O estado de espirito tem enorme influencia, não adianta ficar irritado com a arma ou achar que não se tem o mínimo de jeito para a coisa, manter a calma e tentar perceber onde está o erro é fundamental para que se possa evoluir, por norma os equipamentos são melhores que nós como tal resta-nos admitir que os erros são nossos e tentar percebe-los ao ponto de os conseguir corrigir. Finalmente as coisas que não dependem de nós e que só nos resta tentar anular ao máximo, estou a falar das condições atmosféricas, tais como o vento ou o frio, querer fazer grandes tiros em dias de ventania é só estupido, quanto muito podemos ficar contentes por ter corrido acima das nossas expectativas dadas as condições atmosféricas, atirar com um frio de rachar em que nem se sente o dedo não se vai de certeza conseguir os melhores tiros da nossa vida. Para se atirar bem temos também de saber interpretar o as condições climatéricas, para que melhor se compreenda como um tiro é sensível ao clima devo dizer que variações na pressão atmosféricas influenciam a trajetória do projetil.

E pronto, espero com esta retorica toda vir a ajudar alguém ou que pelo contrario, que alguém me venha corrigir num ou noutro aspecto em que me tenha espalhado ao comprido.
Quero relembrar que não sou praticante a nível competitivo ou atirador de carreira mas ao olhar para traz lembro-me da forma como procurei informação e como um texto destes me tinha poupado tempo e dinheiro, ainda tenho muito mas mesmo muito para evoluir até me considerar um bom atirador mas não custa nada partilhar o pouco que já aprendi e que considero ser o básico.
Até breve.




   

5 comentários:

  1. Bom texto! Parabéns!

    Gostei particularmente da parte das miras telescópicas pois, como costumo atirar com mira aberta ou red dot, não tenho conhecimentos quase nenhuns de miras telescópicas. Acho que podias dar exemplos de miras que consideras de boa qualidade e dos aneis de montagem também.

    Se não queres que a tua patroa te faça a vida negra, não lhe mostres este post.

    Em relação a "meter o dedo" acho que não te exprimiste bem ou então tens informação errada. É o meio da primeira falange do indicador que deve contactar com o gatilho. Será que querias dizer entre a ponta e a primeira articulação?

    Sou dextro e o meu olho dominante é o esquerdo. Com pistola consigo disparar com os 2 olhos abertos sem qualquer problema. Na carabina, só consigo disparar com os 2 olhos abertos se disparar "à canhota". Tens alguma sugestão?

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  2. Miras de boa qualidade e bom preço são a Hawke, a marca que estou a usar, boas lentes, robustas e bons preços, ainda hoje estive a montar uma SideWinder 8-32x56 na HW100 do António e aquilo é muito bom.
    O Zeca tem uma Falcom T50 também numa HW100 não sei quanto a resistência está e sempre esteve em PCP, a imagem não é melhor que a SideWinder e tem um reticulo muito grosso, uma vergonha para uma mira de 600€
    Depois tens Leapers que são robustas, os preços estão ao nível da Hawke mas as lentes são berinhas, as Nikko Starling sei que são resistentes como ainda só olhei por uma que não me impressionou com a imagem não posso avaliar, as Bushnell são boas tanto quanto sei mas cuidado com as falsificações, as MTC também são boas e um pouco mais caras que as Hawke e acho que não têm melhor qualidade de lentes, há pouco tempo o Nuno comprou uma marca que eu não conhecia mas que já olhei por ela, uma Vortex com boa imagem , devem ser fiáveis porque são construídas para armas de fogo.
    Quanto ao meter dedo era mesmo isso que queria dizer, só a pontinha, vou de alterar, obrigado pela dica.

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  3. Vim visitar novamente este post, os comentários e respostas e reparei que respondi falando apenas nas marcas de miras mais acessíveis e que facilmente se encontram em Portugal, esquecendo as marcas de referencia que não são para todas as bolsas tais como a conhecidíssima Leupold, a Zeiss, Sightron, as hiper caras NightForce e Schmidt Bender.

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  4. De vez em quando venho aqui reler este texto, pois tenho tendencia a esquecer muitas das verdades aqui escritas :)

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    1. Quando escrevi este texto a intenção também foi a de vir aqui de vez em quando dar uma vista de olhos para relembrar matéria dada porque todos nós nos vamos esquecendo de algumas coisas que vamos aprendendo.

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